sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O círculo da morte das formigas

Uma formiga-correição (Eciton burchellii) operária (esquerda) carrega a comida 
enquanto um soldado (direita) faz a escolta.
Foto: Fábio Paschoal



O som da marcha quebra o silêncio na mata. Os animais ficam agitados e começam a fugir. De repente, uma onda negra cobre o chão da floresta. São as formigas-correição (Eciton burchellii). Elas se espalham por todos os lados em busca de comida, e fazem qualquer coisa para chegar até o seu objetivo.

Se existe um buraco no caminho, formam uma ponte; se encontram uma árvore, escalam; se acham alguma presa começa a carnificina. Não há escapatória. Até animais vertebrados sucumbem perante a força dos insetos. O exército da floresta é implacável! Mas há um ponto fraco. As formigas podem ficar aprisionadas em um círculo da morte.


A visão não tem uma grande importância na vida dessas formigas. Elas são cegas (ou praticamente cegas, dependendo da espécie) e se comunicam através de substâncias químicas chamadas feromônios, que servem para indicar o caminho para os insetos.


Formigas-correição (Eciton burchelli) seguindo a trilha de feromônio.
Foto: Fábio Paschoal

Quando uma correição sai para caçar, deixa uma trilha de feromônio que pode ser seguida por outras formigas da mesma espécie. Se acham comida pelo caminho, o rastro é reforçado pelas operárias que se dirigem até o local. No momento em que o suprimento de alimento acaba, os insetos param de remarcar a trilha e o cheiro é dissipado.

No processo, algumas formigas podem acabar se perdendo e, para se reconectar com o grupo, procuram por uma trilha de feromônio. Mas, nessa jornada, podem acabar encontrando o próprio rastro e assim terminar andando em círculos – até morrem de exaustão. O fenômeno é mais comum em áreas abertas, onde o cheiro se dissipa mais rapidamente do que na floresta e as chances das formigas perderem a trilha original aumenta.

Então é verdade. O círculo da morte das formigas correição acontece na natureza.

O ninho da formiga-correição (Eciton burchellii) é feito pelas próprias formigas. Elas entrelaçam as patas para formar uma bola. A rainha e crias ficam protegidas no centro.
Foto: Fábio Paschoal

Aspirador entomológico

Coletar formigas para estudos sem comprometer a integridade física das mesmas é uma tarefa difícil, devido às suas pequenas dimensões, sobretudo quando falamos de espécies menores, como a formiga-de-fogo (Solenopsis invicta) ou outras, que podem se alojar em locais difíceis de alcançar. 

O aspirador entomológico manual é muito utilizado por entomólogos em suas pesquisas de campo, sendo que cada um utiliza o tamanho adequado ao seu trabalho. Existe também o aspirador elétrico (pilhas ou baterias), onde a sucção é feita mecanicamente através de hélice. 

O aspirador entomológico manual, também conhecido por aspirador de insetos, é um dispositivo simples que consiste em um recipiente tubular transparente munido de uma tampa onde saem duas mangueiras plásticas, onde em uma delas é feita a sucção pela boca e a outra é usada para capturar o inseto. Na extremidade da mangueira interna (que fica dentro do recipiente) onde se faz a sucção, utiliza-se uma malha fina, impedindo assim que o inseto sugado pela outra mangueira passe pelo recipiente coletor e chegue até a boca. 

As dimensões, formatos e materiais variam, ficando a configuração a gosto do pesquisador, mas o princípio do funcionamento continua o mesmo (veja esquema abaixo). Em algumas situações não se deve usar o aspirador para coletar insetos, como por exemplo, em locais molhados, em locais empoeirados e em materiais em decomposição.

Formigas escravizadoras Formigas, assim como os humanos, são capazes de escravizar. Algumas espécies fazem da captura e trabalho forçado um estilo de vida.

Pesquisadores no século XVIII perceberam que alguns ninhos de formigas eram formados por mais de uma espécie, o que é muito estranho visto a agressividade das formigas com espécies invasoras. É só uma espécie de formiga encontrar outra para que haja um combate mortal ou então uma fuga mais que relâmpago. Em 1810, um pesquisador chamado Huber descreveu este comportamento, descobrindo que formigas de espécies dos grupos Polyergus rufescens eFormica sanguinea invadiam o ninho de outras espécies de formigas, matavam as operárias e roubavam ovos, larvas e pupas, levando-os para o seu ninho. Lá, estes imaturos emergiam e se comportavam como operárias da sua nova casa, das formigas Polyergus ou Formica, trabalhando em várias funções do ninho. 


Formiga escravizadora Polyergus rufescens (à direita) sendo alimentada pela escrava Formica fusca (à esquerda).
Foto: Nivaggioli Alan

Embora diferentes tipos de formigas escravizadoras possuem táticas um pouco diferentes, seu objetivo é o mesmo, colocar alguém para fazer o trabalho. Existem dois métodos distintos que as formigas escravizadoras usam para assumir uma colônia. O primeiro método é entrar no ninho, se livrar das rainhas e substituí-la por uma de suas próprias. Isto é feito de várias maneiras diferentes. Mais comumente, as formigas operárias escravizadoras invadem uma colônia de outra espécie de formiga, roubam os ovos e leva-os para seu próprio ninho. Ali, as larvas são alimentadas até virarem pupas, fase em que não se alimentam e sofrem metamorfose completa para ganhar a forma adulta. Ao fim desse período, surgem os adultos - as formigas escravizadas -, que nem notam que não pertencem à colônia onde estão e nem à mesma espécie das outras formigas. Tudo porque, após algum tempo, as formigas escravizadas já estão com o cheiro da colônia escravizadora (cada espécie de formiga e cada colônia têm um cheiro próprio). Assim, as formigas escravizadas passam a trabalhar para a colônia escravizadoras como trabalhariam para a sua própria colônia. 

O ápice do modo de vida escravizador é atingido pelas formigas do gênero Polyergus, um grupo totalmente escravagista, derivado diretamente do gênero Formica. Wheeler novamente descreveu muito bem o comportamento desta espécie: a operária é muito brigona e podem ser distinguida das outras formicinae pela sua mandíbula em forma de estilete, sem dentes, mas pequenos dentículos. Tais mandíbulas não são adaptadas para cavar na terra ou para manipular larvas e pupas de pele fina e movê-las pelas câmaras estreitas do ninho, mas são impressionantemente aptas a perfurar a armadura de formigas adultas. As Polyergusnunca escavam seus próprios ninhos ou cuidam da prole. São inclusive incapazes de obter sua própria comida, mas podem ingerir líquidos que entrem em contato direto com suas pequenas línguas. Para a comida, moradia e educação elas são totalmente dependentes das formigas escravizadas eclodidas dos casulos que elas pilharam. Sem estas escravas elas são praticamente incapazes de sobreviver e são sempre encontradas em ninhos com a arquitetura do da espécie com a qual estão misturadas. Quando estão no ninho, as Polyergusdemonstram dois comportamentos: ficam paradas, completamente imóveis, como se estivessem na maior preguiça, ou ficam pedindo comida para as escravas ou ficam se limpando. Mas uma vez fora do ninho, em suas expedições, elas demonstram uma coragem impressionante e uma ação coordenada comparada, especialmente comparada com a ação descoordenada dos ataques dassanguinea. As Polyergus são muito mais especializadas que as sanguinea, mas para atingir este estágio, se tornaram irremediavelmente dependentes e parasitárias das suas escravas. As colônias de Polyerguscostumam ter algo entre 300 e 500 operárias, podendo pilhar até 30.000 imaturos da formiga escravizada em uma temporada de ataques, sendo que só 1/3 destes chegam a crescer, muitos sendo danificados, pelas mandíbulas inapropriadas para este fim, durante o transporte. A tática de ataque da Polyergus é diferente da formiga sanguinea. Elas saem do seu ninho rapidamente, e correm até o ninho a ser saqueado, a uma velocidade de 3 centímetros por segundo. Quando chegam no ninho atacado, não hesitam como as sanguineas, mas entram de uma vez, pegam a prole e saem novamente, voltando para casa. Quando são confrontadas pelas operárias do ninho atacado, elas perfuram suas cabeças ou tórax, normalmente matando uma grande quantidade destas.

Rainha Polyergus rufescens e suas escravas Formica fusca.
Foto: Acideformik


Outro método usado por formigas escravizadoras é substituir a rainha da colônia cativa. A rainha de uma colônia escravizadora estabelecida irá produzir novas rainhas que saem da colônia para desenvolver a sua própria colônia. A jovem rainha escravagista acompanha as incursões de um grupo de formigas escravizadoras e espera do lado de fora da colônia a ser tomada. Quando as trabalhadoras escravizadoras invadem esta colônia para tomar os ovos, a rainha aproveita a batalha esgueirando-se para a colônia. Uma vez que encontra a rainha, mata ela e toma seu lugar. A nova rainha cobre seu corpo de feromônios da rainha morta e libera-os para as formigas presentes. Essa nova rainha, tendo acasalado com uma formiga escravizadora macho começa mais cedo a produzir novas formigas escravizadoras Outras variações sobre esses tomadas hostis incluem uma espécie sul-americana, cujos trabalhadores secretam uma substância química na colônia hospedeira que faz com que as formigas da colônia hospedeira evacuem o ninho. Em sua pressa para sair, pupas serão deixadas para trás. Estas formigas em desenvolvimento são, então, levadas de volta para o ninho das formigas escravizadoras Outra variação é de uma espécie Europeia que ataca formigas que são significativamente maiores em tamanho. A rainha invade um ninho agarrando à legítima rainha e lentamente sufoca-a até sua morte. 

Formigas escravizadoras Polyergus mexicanus(vermelhas) e suas escravas Formica argentea (pretas).
Foto: Alex Wild


As formigas escravizadas fazem de tudo: buscam alimento, dão de comer às rainhas e às larvas, limpam a colônia, protegem-na dos predadores... O curioso é que algumas espécies de formigas escravizadoras continuam fazendo essas tarefas que mencionamos, apesar de terem escravas para executá-las. Há aquelas, porém, que deixam tudo a cargo das formigas escravas e até já perderam a habilidade de fazer algumas ações, como cuidar da prole. No caso dessas espécies que “desaprenderam” algumas tarefas, as formigas escravizadas são extremamente importantes para o funcionamento da colônia. Afinal, sem elas, haveria o risco de ficar tudo fora de ordem. Experimentos têm mostrado que em algumas espécies, quando são separadas de seus escravos, morrem de fome, mesmo que o alimento é colocado à sua disposição. 

Uma colônia típica de 3.000 formigas escravizadoras pode ter mais de seis mil escravos trabalhando para ela. Se a colônia se move para um novo local os escravos carregam seus mestres, um por um, ao seu novo lar. 

As espécies Myrmoxenus ravouxi eChalepoxenus muellerianus estão entre as formigas escravizadoras mais comuns na Europa Ocidental. Elas usam várias espécies relacionadas como escravos, mas mostram uma preferência por Temnothorax unifasciatus.

Mecanismo alternativo de formação de espécies

Rainha da formiga parasita Mycocepurus castrator (à esquerda) e rainha da formiga hospedeira Mycocepurus goeldii (à direita).  Fotos: Christian Rabeling / Universidade de Rochester




A descoberta de nova espécie de formiga parasita, feita no interior paulista, deu importante impulso para uma teoria alternativa de formação das espécies.

Encontrada no campus da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro, em um trecho de plantação de eucalipto, a formiga - jamais observada em outro lugar do mundo - surgiu a partir da própria espécie hospedeira, na mesma colônia, segundo estudo publicado em 21.08.2014, na revista Current Biology.

De acordo com a teoria clássica, espécies novas aparecem a partir do isolamento geográfico de um grupo. No entanto, o novo estudo traz evidências de um mecanismo de especiação até agora controverso: a nova espécie evoluiu a partir de formigas da mesma comunidade.

"É raríssimo encontrar esse mecanismo. A maioria das espécies surge a partir do isolamento geográfico de um grupo. Mas conseguimos forte indicação de que a especiação também pode acontecer dentro de uma mesma colônia", disse um dos autores do artigo Maurício Bacci Júnior, pesquisador do Instituto de Biociências da Unesp. A equipe de investigação incluiu também Ted Schultz, da Smithsonian Institution’s National Museum of Natural History e Naomi Pierce, da Harvard University.

Especialista em formigas, Bacci descobriu a nova espécie em 2006, com o colega alemão Christian Rabeling, da Universidade de Rochester, ao escavar um formigueiro deMycocepurus goeldii, espécie comum em toda a América do Sul.

"Percebemos que havia formigas menores, o que geralmente é característica de parasitas", explicou. Ao estudar o comportamento dos animais, os pesquisadores perceberam que a nova espécie - batizada de Mycocepurus castrator - é, de fato, parasita. Recebeu o nome de "castrator" por inibir a procriação da hospedeira. "Ela coloca todo o formigueiro a seu serviço. Enquanto as outras trabalham, ela come e se reproduz."

Segundo Bacci, todas as formigas do gêneroMycocepurus são "agricultoras": elas levam folhas para o formigueiro e as "plantam" em uma colônia de fungos, que degradam os vegetais.

As formigas se alimentam dos resíduos. AMycocepurus castrator, no entanto, come o que as outras produzem e sua única atividade é procriar. "As hospedeiras continuam se reproduzindo, mas passam a gerar apenas formigas estéreis, que trabalham para a parasita", explicou Bacci.

Mycocepurus castrator usa todo o sistema do formigueiro em seu benefício, sem ter de despender energia para outras tarefas além de gerar mais parasitas. "Ela não se arrisca fora do formigueiro, diante de predadores, nem para buscar comida ou para se reproduzir." Rainhas hospedeiras e machos reproduzem em uma cerimônia aérea, somente durante uma determinada época, quando começa a chover. Rabeling descobriu que as rainhas e machos parasitas, que precisam ser mais discretos sobre suas atividades reprodutivas, divergiram do padrão de acasalamento do hospedeiro. Por necessidade de esconder a sua identidade parasitária, Mycocepurus castrador machos e fêmeas perderam suas adaptações especiais que lhes permitiam reproduzir em voo, e acasalam dentro do ninho de hospedeiro, tornando impossível para eles interagirem sexualmente com suas espécies hospedeiras.


Datação
De acordo com o cientista, para confirmar a origem da Mycocepurus castrator, a equipe realizou um procedimento de datação com base em biologia molecular, relacionando o número de mutações a referências geológicas encontradas no formigueiro.

Com um teste estatístico, foi determinado que a Mycocepurus goeldii surgiu há cerca de 2 milhões de anos, enquanto a Mycocepurus castrator apareceu há apenas 37 mil anos.

"Isso nos deu a evidência de um raro caso de especiação simpátrica, isto é, de surgimento de uma nova espécie sem presença de barreiras geográficas." Segundo ele, ao relacionar parasitismo e especiação simpátrica, o estudo abre caminho para novas descobertas.

Fungos que transformam formigas em 'zumbis' estão sob ataque de outro fungo

Grupo de cientistas mostrou que o
s fungos causadores da doença em formigas são impedidos de se reproduzir por um outro grupo de fungos

Um grupo internacional de pesquisadores, com a participação da Universidade de Viçosa (MG), descobriu de que forma colônias de formigas estão se livrando dos fungos que as tornam 'zumbis'. Fungos Ophiocordyceps camponoti-rufipedis atacam o cérebro de formigasCamponotus rufipes causando paralisações em seu corpo até a morte. Os insetos infectados são chamados de formigas-zumbis por ficarem vagando pela colônia sem conseguir realizar suas tarefas.

O fungo responsável pelas formigas-zumbis já é conhecido dos cientistas. Agora, a pesquisa, publicada nesta quarta-feira na revista PLoS ONE, descobriu outro fungo, que impede a proliferação dessa doença em colônias de formigas.

"Em um caso em que a biologia é mais estranha do que a ficção, o parasita do causador das formigas-zumbis é também um fungo", diz David Hughes, da Universidade da Pensilvânia e autor líder da pesquisa, que também conta com a participação do pesquisador Simon Luke Elliot, professor da Universidade Federal de Viçosa e membro da Comissão Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Entomologia.

'Castração' - Os cientistas descobriram que esses fungos impedem que os causadores das formigas-zumbis se reproduzam, pois limitam a produção dos esporos, estruturas que originam novos fungos. "Os parasitas efetivamente castram os fungos responsáveis pela transformação de formigas em zumbis", diz Hughes. "Nossa pesquisa indica que o risco para a colônia é muito menor do que a alta densidade de cadáveres de formigas-zumbis indica."

Para realizar o estudo, os pesquisadores observaram colônias de formigas em uma região de Mata Atlântica do Estado de Minas Gerais. Eles identificaram formigas infectadas e observaram a reprodução dos fungos que transformam as formigas em zumbis para saber como eles afetam as colônias.

Com o estudo, os cientistas criaram um modelo detalhado que revela detalhes antes desconhecidos de interações entre as formigas infectadas e os fungos causadores da formiga-zumbi. Eles já sabiam que as formigas defendem suas colônias contra inimigos microscópicos, como esporos de fungos, através de um processo conhecido como grooming.

"Além do efeito já bem conhecido do comportamento de defesa de formigas, nossa pesquisa revela o efeito adicional de ações de castração de parasitas de fungos, que pode resultar em uma limitação significante de dispersão dos fungos causadores de formigas-zumbis", diz Hughes.

Grooming
Hábito comum entre insetos sociais (como formigas, cupins e abelhas), no qual o grupo ajuda a remover parasitas de um de seus membros. Esse é o caso das formigas Lasius, que lambem umas as outras para remover fungos.

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domingo, 24 de agosto de 2014

Material magnético em antenas de formigas

A influência do campo geomagnético em seres vivos vem sendo estudada através de fenômenos naturais, como migração, volta ao lar, etc. Há cerca de três décadas cristais magnéticos foram observados em bactérias magnetotácticas, com a evidência física do fenômeno de magnetotaxia através do alinhamento passivo destas bactérias por um campo magnético (Blakemore 1975). Estudos comportamentais posteriores têm mostrado que o campo magnético terrestre é mais uma fonte de informação do meio ambiente paraorientação e navegação de um grande número de animais. 

Magnetorecepção em animais é um mecanismo complexo, ainda pouco compreendido, que consiste em detectar o campo geomagnético, transferir a informação recebida para o sistema nervoso, onde é processada e utilizada para distintos propósitos. Entre as hipóteses e modelos que discutem a natureza dos receptores magnéticos, atualmente, a ferromagnética, que sugere nanopartículas magnéticas biomineralizadas como transdutores da informação, e um compasso químico baseado num par de radicais são as mais discutidas.

Partículas magnéticas foram encontradas em tecidos específicos ou em extratos de partes do corpo de animais (OLeary et al. 1981, Vilches-Troya et al. 1984, Mann et al. 1988, Walker et al. 1997, Diebel et al. 2000, Hanzlik et al. 2000), mas somente na truta rainbowOncorhynchus mykiss (Walker et al. 1997) e nos pombos correio (Hanzlik et al. 2000, Fleissner et al. 2003) a magnetita encontrada parece ter uma conexão neural direta. Estudos comportamentais com insetos sociais tais como cupins, abelhas e formigas mostraram respostas orientacionais e navigacionais ao campo geomagnético (Wiltschko & Wiltschko 1995, Vácha 1997, Walker et al. 1997). A observação de partículas de magnetita superparamagnéticas (SPM) no abdômen de abelhas Apis mellifera levou à proposta de um sistema magnetoreceptor baseado nestas partículas (Gould et al. 1978), que supostamente também foram observadas como grânulos nos trofócitos destas abelhas ( Hsu et al. 2007).

As formigas, ou pelo menos a maior parte das espécies, são reconhecidas como animais “químicos”. Os feromônios, principais mediadores da comunicação destes animais, são usados por forrageadoras para transferir informações a outras operárias sobre fontes de alimentos ou para alertar outras formigas em relação a um ataque iminente. Marcas do meio ambiente e luz polarizada são também importantes fontes de informação utilizadas para o processo de retorno ao ninho. A influência do campo geomagnético em diferentes espécies de formigas foi demonstrada para Formica pratensis (Camlitepe et al. 2005), Solenopsis invicta (Anderson & Vander Meer 1993), Formica rufa (Camlitepe & Stradling 1995) e Atta colombica (Riveros & Srygley 2008), sendo pioneiro o trabalho feito com a formiga Myrmica ruginodis mostrando que a antena responde a campos magnéticos, com o pedicelo sendo a parte mais influenciada (Vowles 1954).

A migração da formiga Pachycondyla marginataé significativamente orientada em um ângulo médio de 13º, em relação ao eixo norte-sul magnético (Acosta-Avalos et al. 2001). Medidas magnéticas de partes do corpo (cabeça, antena, tórax e abdômen) mostraram que a antena apresenta o sinal magnético mais intenso (Wajnberg et al. 2004). Baseando-se nestes resultados e nas medidas anteriores em formigas Pachycondyla marginata (Acosta-Avalos et al. 1999, Wajnberg et al. 2000, Wajnberg et al. 2004), utilizou-se ressonância ferromagnética (RFM), microscopia óptica (MO), microscopia eletrônica de transmissão (MET) e varredura (MEV) para caracterizar o material magnético destas formigas e identificar um possível sensor magnético na antena, um órgão sensorial promissor para magnetorecepção.

A importância das formigas

A Classe Insecta, uma importante representante do Filo dos Artrópodes é composta por aproximadamente um milhão de representantes e, segundo o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), cerca de cinco mil novas espécies são coletadas e classificadas anualmente (Gallo et al., 2002).

Os insetos estabelecem com o homem diversas relações, podendo ser benéficas ou prejudiciais. Os benefícios mais óbvios dos insetos provêm de suas atividades: cera, seda, laca. Os malefícios aparecem como danos às plantas ao se alimentarem e pelo ato de atuarem como vetores de moléstias tanto em plantas como em animais (Buzzi & Miyazaki,1999). 

Dentro da Classe Insecta, a Ordem Hymenoptera (Linnaeus, 1798) ocupa o terceiro lugar em número de espécies, situando-se logo após os Coleoptera e os Lepidoptera. Dentro da Ordem Hymenoptera todas as formigas são sociais, o que contrasta com as abelhas e as vespas, onde somente uma fração do total das espécies é social ou apresenta algum grau de sociabilidade (Fernandez, 2003). 

As formigas são ditas organismos eussociais por apresentarem as três características que definem o comportamento verdadeiramente social em insetos: 1) sobreposição de, ao menos, duas gerações em determinado instante do desenvolvimento colonial, 2) com indivíduos estéreis e reprodutivos, e 3) cuidado cooperativo com a prole (Wilson, 1971).

As formigas pertencem a uma única família, Formicidae, que compreende 16 subfamílias com 296 gêneros e 12.027 espécies descritas (Agosti, 2005) além de 408 fósseis. Estima-se que existam cerca de 20.000 espécies de formigas em todo o mundo, e que no Brasil existam cerca de 2.000 espécies (Hölldobler & Wilson, 1990).

Animais dominantes na maioria dos ecossistemas terrestres, elas representam cerca de 10 a 25% do total da biomassa animal destes ecossistemas (Wilson, 1971; Hölldobler & Wilson, 1990). Cerca de um terço de toda a biomassa animal da Floresta Amazônica de terra firme é composta de formigas e cupins, com cada hectare de terra contendo mais de oito milhões de formigas e um milhão de cupins (Hölldobler & Wilson, 1990). Portanto, formigas têm papel importante nos fluxos de energia e ciclagem de nutrientes ao nível de ecossistema, possibilitando a estabilidade destes (Fowler et al., 1991). Como as formigas carregam para o ninho restos de animais e plantas misturando este material com o solo escavado, a terra ao redor destes ninhos apresenta maior índice de carbono, nitrogênio e fósforo. Elas percorrem boa parte do ambiente terrestre como principais revolvedoras de solo (Hölldobler & Wilson, 1990, 1990). Moutinho et al. (2003) apresentaram que apesar de removerem de 12 à 17% da produção anual de folhas das florestas, as formigas cortadeiras possuem um importante papel na recuperação da vegetação, já que cavam grandes buracos e neles depositam matéria orgânica, enriquecendo o solo com nutrientes importantes. Modificações nas propriedades físicas e químicas do solo feitas por formigas do gênero Atta(Fabricius,1804) atuam como facilitadores na rápida recuperação nos sistemas de raízes profundas (Moutinho, 2003).

As formigas apresentam relações mutualísticas com plantas, homópteros e fungos. As plantas alimentam as formigas através de seus nectários extraflorais, lhe oferecem abrigo em seus troncos e ramos. Um dos exemplos mais clássicos de mutualismo envolve formigas que, em troca de alimento e abrigo fornecidos por certas plantas, as defendem contra o ataque de animais herbívoros. Este é o caso das formigas do gênero Azteca (Forel, 1878) que vivem em associação mutualística com árvores deCecropia spp. Na América Central, diversas espécies de Pseudomyrmex (Lund, 1831) constroem seus ninhos nas cavidades preexistentes nos espinhos de várias espécies de Acacia. Em contrapartida, as formigas as defendem de insetos herbívoros. As acácias, como muitas outras plantas que abrigam formigas, são conhecidas como mirmecófitas - termo derivado das palavras gregas myrmex(formiga) e phyto (planta). As mirmecófitas caracterizam-se por apresentar estruturas modificadas – as domáceas – usadas como abrigo pelas formigas. As domáceas, que incluem desde caules ou galhos ocos até folhas em forma de bolsa, são estruturas naturais que evoluíram sem a interferência direta das formigas ou qualquer outro organismo (Santos & Del-Claro, 2002; Delabie, 2003; Lapola et al., 2004). Quando atraídas por um apêndice nutritivo, produzido na semente de certas plantas, podem exercer o papel de agente dispersor destas (Peternelli et al., 2004). 

Existem ainda espécies de formigas que protegem insetos sugadores de seiva de planta, tais como pulgões, cochonilhas e cigarrinhas. Em troca da proteção, os sugadores de seiva fornecem uma secreção adocicada, chamada honeydew. Esta substância faz parte da dieta das formigas. Por sua vez, as formigas defendem esses insetos de seus predadores e também os transportam para outros locais com fartura de alimento (Bueno & Campos-Farinha, 1999).

Os tipos de alimentos recolhidos pelas formigas são dos mais variados e dependem principalmente da espécie ou do grupo de espécies considerado, apesar de a maioria das formigas ter um regime alimentar onívoro (Bünzli 1937 apud Fowler et al.,1991). Elas podem se alimentar de fungos cultivados em seus ninhos, de secreções açucaradas produzidas por afídeos e algumas larvas de lepidópteros, secreções de nectários florais e extraflorais, seiva de plantas cortadas, sementes, presas vivas, outros insetos, cadáveres, dentre outros (Fowler et al., 1991; Diehl, 2006).

As formigas constituem também o item alimentar mais importante da dieta de vários animais, especialmente certas aves, senão em termos de abundância, pelo menos quanto à abundância ao longo do ano (Beltzer 1987 apud Fowler, 1991). 

Apresentando uma ampla distribuição geográfica, deixando de ocorrer somente nos pólos e ambientes aquáticos, as formigas apresentam sua maior diversidade na região Neotropical. Segundo Ricklefs (2003), a maioria dos ecólogos concorda que a alta diversidade dos trópicos é resultante, ao menos em parte, nestes locais de uma maior variedade de papéis ecológicos. Isto é, o nicho comunitário total ocupa um volume maior próximo ao equador do que em direção aos pólos. Benson & Harada (1988) sugerem que uma maior variedade de locais de nidificação disponíveis para especialização pode ser um fator importante, contribuindo como o aumento em diversidade de formigas onívoras tropicais. Além disso, a diversidade de espécies também é associada à complexidade estrutural do ambiente. Os estudos de diversidade documentam o número e identidade das espécies num dado local. Assim como desaparecem os habitats no mundo, as quantificações cuidadosas de diversidade têm tomado nova importância (Kaspari, 2003).

Entre os invertebrados, as formigas parecem ser organismos capazes de permitir avaliação das modificações sofridas em meios naturais por estarem entre os mais abundantes encontrados em ecossistemas tropicais, pela facilidade com que são coletadas e identificadas, e por sua sensibilidade a mudanças no ambiente (Vasconcelos, 1998; Nascimento & Delabie, 1999), sendo portanto, usadas como indicadores biológicos de ambientes terrestres (Santos et al., 1999).

As formigas podem ter a sua população reduzida com a redução ou com a perturbação de seu habitat. Um estudo realizado numa floresta da Amazônia Central mostrou que a persistência de assembleias de formigas típicas de florestas intocadas é provavelmente dependente da quantidade do dano estrutural causado no ambiente pelo corte de madeira (Vasconcelos et al., 1999). Kalif et al. ( 2001) relatam que os cortes de madeira na Amazônia podem ser vistos como promotores de mudança na composição das comunidades de espécies de formigas, alterando a riqueza de espécies. 

Vasconcelos (1999), estudando quatro áreas na Amazônia Central: um pasto abandonado, uma floresta jovem, uma floresta madura e uma floresta antiga, verificou que as duas primeiras apresentaram um maior abundância de formigas quando comparada com a floresta madura e a antiga , no entanto, ocorreu um decréscimo na riqueza de espécies no pasto abandonado e na floresta jovem que apresentaram grande similaridade quanto a composição de espécies.

Levantamentos da diversidade da mirmecofauna têm sido realizados com mais freqüência nos estados da Região Sul (Flores et al., 2002; Hameister et al., 2003; Fonseca & Diehl, 2004; Sacchett & Diehl, 2004; Silva & Silvestre, 2004; Schmidt et al., 2005; Diehl et al., 2005; Lutinski & Garcia, 2005 Marchioretto & Diehl, 2006), seguidos da Bahia (Majer et al., 1994; Delabie et al., 1995; Majer et al., 1997; Santos et al., 1999; Fowler et al., 2000; Santana-Reis & Santos, 2001; Carvalho et al., 2004; Conceição et al., 2006; Delabie et al., 2006) e Minas Gerais (Soares et al., 1998; Tavares et al., 2001; Marinho et al., 2002; Miranda et al., 2006 Santos et al., 2006; Soares et al., 2006).

A maioria dos levantamentos mirmecofaunísticos está relacionada ao ambiente de cerrado (Della Lúcia et al., 1998; Marinho et al., 2002; Nascimento, 2005) e em plantações de eucalipto (Della Lúcia et al., 1998; Tavares et al., 2001; Marinho et al., 2002; Fonseca & Diehl, 2004; Ramos et al., 2004).


Mirmecofauna urbana
Estudos da mirmecofauna em áreas urbanas acontecem com menor freqüência. Segundo o Ministério da Saúde, 75% da população brasileira vive nas áreas urbanas e a ocupação desordenada de espaços pelo homem, aliada à falta de políticas de controle ambiental urbano, fez com que a questão das pragas urbanas se constitua em um problema crescente de saúde pública nas grandes cidades. A grande disponibilidade de abrigo e alimento propicia ambiente adequado para a proliferação de diversas espécies de animais sinantrópicos(Oliveira,2005). 

Freqüentemente as pesquisas de formigas urbanas estão associados a ambientes hospitalares, pois nestes locais elas podem atuar como vetores mecânicos de microrganismos patogênicos (Cintra 2006; Costa, 2006). Coletas de formigas realizados em hospitais no estado de São Paulo constataram a presença de bactérias patogênicas em 15% a 20% das formigas coletadas. Em todos os hospitais visitados pode se verificar a presença de formigas (Bueno & Campos-Farinha, 1998; Bueno & Campos-Farinha, 1999; Zarzuela et al., 2002).

Os estudos em ambiente urbanos também estão associados a ambientes domiciliares (Delabie et al., 1995; Campos-Farinha e Piva, 1999; Silva & Loeck, 1999). As formigas como invasoras de residências são muito citadas e sua disseminação no planeta é praticamente tão antiga quanto o comércio humano (Della Lúcia, 2003). Nos últimos anos, a atenção está se voltando para aquelas que vivem em íntima associação com o homem e são distribuídas por todo o mundo através do comércio. Essas formigas receberam a denominação de formigas andarilhas (tramp species). As formigas andarilhas possuem uma estrutura social poligínica, pois suas colônias contêm múltiplas rainhas funcionais, formam sociedades multicoloniais nas quais as colônias não apresentam limites bem definidos e se reproduzem por fissão (Bueno & Campos-Farinha, 1998; Chacon de Ulloa, 2003). 

Poucas pesquisas se referem a mirmecofauna presente em praças e parques urbanos (Nascimento, 2005; Yamaguchi, 2004). As praças desempenham importantes funções no ambiente urbano, entre elas a integração da comunidade e melhoria da qualidade ambiental (Carvalho, 2003). Nascimento (2005) conduziu um estudo sobre conservação de formigas em parques e praças urbanas verificando que os parques urbanos podem ser locais propícios para a conservação de espécies de formigas.

As espécies de formigas presentes em praças urbanas mantêm constantes sua abundância e diversidade durante todo o ano não apresentando diferenças significativas durante as duas estações consideradas (quente e úmida e fria e seca). Grande parte das espécies de formigas que ocupam estes ambientes são classificadas como oportunistas e generalistas apresentando alta plasticidade comportamental, esta característica associada ao microclima gerado pelo ambiente urbano faz com que elas consigam se manter presentes em número de indivíduos e de espécies durante todo o ano, onde a temperatura pode ser até 6°C mais alta que no ambiente circundante (Jacobi,2000) .

As áreas verdes maiores apresentaram-se correlacionadas positivamente com a diversidade de espécies. Áreas maiores abrangem mais locais para nidificação e oferecem mais recursos alimentares propiciando assim o aumento do número de espécies presentes e também do número de indivíduos, assim tornando possível uma maior diversidade de espécies de formigas.

Praças urbanas podem abrigar muitas espécies de formigas, espécies estas que possuem diversos papéis ecológicos, como enriquecimento do solo e recuperação da vegetação (Moutinho, 2003), atuam no fluxo de energia e ciclagem de nutrientes além de predar outros insetos (Hölldobler & Wilson 1990) sendo, portanto, de suma importância para a manutenção das relações ecológicas neste ambiente.

Fungos parasitas de formigas-cortadeiras e dos seus fungos mutualísticos

Introdução

As relações simbióticas são imprescindíveis na vida de todos os seres vivos no planeta e são consideradas hoje em dia responsáveis pela evolução de organismos multicelulares, entretanto, as associações não são necessariamente benéficas para todos os membros. As relações simbióticas são classificadas em quatro formas: amensalismo, comensalismo, mutualismo, e parasitismo. Parasitismo por definição é uma forma de simbiose entre dois ou mais organismos de espécies diferentes, vivendo em associação/proximidade, em que um dos membros depende do outro para adquirir nutrientes, proteção e/ou outro fator ligado a vida funcional. O membro dependente (parasita) ganha benefícios do relacionamento enquanto o outro (o hospedeiro) é prejudicado pela associação.

É descrito a seguir a ocorrência de fungos parasitos das formigas cortadeiras e dos jardins do fungo mutualístico, considerando a colônia como um superorganismo, ao invés de tratar cada um de seus elementos individualmente. O modo como as formigas e seus fungos simbiontes se protegem contra possíveis ataques de parasitas tem despertado interesse e polêmica desde a descoberta, em 1999, de um então novo parceiro neste mutualismo, uma bactéria filamentosa, subsequentemente identificada comoPseudonocardia. Dados empíricos mostraram que esse actinomiceto protege as colônias especificamente contra o ataque do fungoEscovopsis (Ascomycota: Hypocreales), parasito dos jardins das Attini. Entretanto, a classificação de Pseudonocardia como um organismo mutualístico tem sido questionada recentemente. Antes de entrar em maiores detalhes sobre os parasitas das colônias, é importante revisar a literatura sobre o mutualismo clássico das formigas e seus fungos simbiontes.

1. Mutualismo entre formigas-cortadeiras e fungos

As relações interespecíficas de simbiose favorecidas pela seleção natural moldam o processo evolutivo dos seres vivos em todos os níveis de organização biológica (Boucher et al., 1982; Price et al., 1986; Caldera et al., 2009). Os organismos não vivem isolados; ao contrário, eles são frequentemente encontrados vivendo em estreita relação com organismos muitas vezes filogeneticamente distantes. O mutualismo, por exemplo, se considerado como um tipo de relação simbiótica em que os membros envolvidos se beneficiam mutuamente (Ricklefs, 2003) é reconhecidamente uma força evolutiva importante, que ao longo do tempo, favoreceu o surgimento das células eucarióticas. Isso por sua vez permitiu um aumento na diversidade de vida no planeta. Alguns exemplos que ilustram a importância do mutualismo são as micorrizas, das quais muitas plantas terrestres dependem para a fixação de íons de fósforo, e os microrganismos que auxiliam diversos animais na digestão de alimentos.

Evidências crescentes apontam em favor da inclusão de simbiontes nas teias alimentares (Thomas et al., 2005; Thrall et al., 2007). Estudos recentes têm demonstrado que teias alimentares possuem mais ligações parasito-hospedeiro do que presa-predador (Lafferty et al., 2006); e que parasitas podem alterar a fisiologia e consequentemente o comportamento de hospedeiros que possuem funções chave no ecossistema, alterando a composição, o fluxo energético e a estrutura das comunidades (Wood et al., 2007; Hernandez; Sukhdeo, 2008). Portanto, a tendência atual e crescente é a de que um organismo vivo não pode mais ser considerado como um organismo isolado, e sim, como um organismo e seus simbiontes, sejam eles mutualistas ou parasitas.

Uma das mais notáveis relações mutualísticas do reino animal ocorre entre as formigas cultivadoras de fungo (Myrmicinae, Attini) e seu fungo simbionte (Basidiomycota: Lepiotaceae e Pterulaceae). O início das muitas adaptações que permitiram o desenvolvimento e a manutenção desta estreita relação deve-se ao surgimento do hábito micófago pelas formigas. Corroborando com antigas especulações, análises filogenéticas e moleculares recentes confirmaram a origem única do hábito micófago há aproximadamente 50 milhões de anos atrás, na América do Sul (Schultz; Brady 2008).

De fato, a especialização da fungicultura para alimentação atinge seu ápice evolutivo com as formigas-cortadeiras, representadas pelos gêneros Acromyrmex e Atta, únicas capazes de cortar e processar material vegetal fresco para o cultivo do simbionte, tornando-se herbívoros considerados dominantes nos neotrópicos (Hölldobler; Wilson, 1990; Farji-Brener; Illes, 2000; Farji-Brener; Ghermandi, 2004).

Tão especializado tornou-se a micofagia entre as Attini que ela é hoje o resultado de uma relação simbiótica envolvendo não apenas dois, mas cinco participantes. Os três mutualistas são hoje representados pelas formigas, o fungo que elas cultivam, e a bactéria filamentosa do gênero Pseudonocardia(Actinomycetes) que cresce em locais específicos do exoesqueleto de Myrmicocrypta,ApterostigmaMycocepurusCyphomyrmex,Trachymyrmex e Acromyrmex (Currie et al., 1999). Os dois parasitas são o fungo do gênero Escovopsis (Ascomycetes), o qual é conhecido somente do jardim de fungo das Attini (Seifert et al., 1995) e a levedura preta (black yeast)Phialophora (Ascomycota) a qual cresce na mesma região da cutícula das formigas onde também se encontra a bactéria Pseudonocardia(Little; Currie, 2007). Posteriormente, esses dois parasitas serão descritos em maiores detalhes.

2. Parasitismo de formigas cortadeiras e do seu fungo simbionte

Os jardins das formigas Attini abrigam uma diversidade enorme de microrganismos como fungos filamentosos (Diehl-Fleig; Labres, 1993; Diehl-Fleig; Luciano 1995; Currie et al., 1999), leveduras (Carreiro et al., 1997, 2004) e bactérias (Van Borm et al., 2002; Santos et al., 2004), que exploram com maior ou menor intensidade os recursos energéticos e nutritivos deste mutualismo.

A fim de compreender como as complexas sociedades de insetos se defendem do ataque de parasitas, é necessário estudá-las sob o conceito de superorganismo (Hölldobler; Wilson, 1990; Cremer; Sixt, 2009), em que cada casta e cada parte da estrutura física do ninho – que possuem funções específicas na colônia - equivalem a um órgão dos organismos multicelulares – também com função específica naquele organismo. No caso particular de colônias maduras de saúvas (Atta), que chegam a produzir o maior número de castas físicas de operárias já determinado para uma colônia de formigas (Wilson, 1980), podem-se considerar as diferentes castas e seu fungo simbionte como sendo diferentes tipos de tecido deste organismo. Seria possível, portanto, um parasita utilizar preferencialmente um ou outro tecido do hospedeiro como porta de entrada. Um parasita poderia também se especializar em utilizar um ou outro tecido como recurso para se manter e se reproduzir.

A princípio, colônias inteiras de formigas podem ser devastadas por um parasita que seja suficientemente virulento, ou mesmo quando a colônia esteja particularmente vulnerável em determinado momento – colônias em processo de fundação, por exemplo. Entretanto, as evidências de uma alta virulência inerente a qualquer parasita são escassas. Poucos experimentos foram realizados com o intuito de avaliar a virulência de um parasita de colônias de formigas-cortadeiras. Um dos poucos exemplos de estudos deste tipo foi realizado por Currie et al. (1999) com uma abordagem evolutiva da interação parasita-hospedeiro. Outro trabalho foi desenvolvido por Jaccoud et al. (1999), no entanto, com um enfoque mais aplicado. A fim de verificar a patogenicidade (isto é, a capacidade de causar doença) e a virulência (isto é, o nível de prejuízo causado pelo parasita) de Escovopsis, Currie et al. (1999) retiraram as formigas de pequenas porções do jardim simbionte, deixando-os livres de operárias, e inocularam aproximadamente 300–500.000 esporos do microfungo diretamente em porções de 60-75 mL do jardim de TrachymyrmexAcromyrmex e Atta. Como era de se esperar, todas as porções de jardim de fungo sucumbiram. Já nas colônias ondeEscovopsis foi endêmico (sem ter sido inoculado experimentalmente) e cujas operárias foram retiradas a fim de se observar o desenvolvimento do jardim de fungo, esperava-se encontrar vários tipos de patógenos, mas foi encontrado somenteEscovopsis. A partir somente destas observações, os autores concluíram queEscovopsis é um microfungo parasita especializado com alta virulência contra jardins de fungo de Attini, o que pode ser apenas uma falácia experimental.

Já o trabalho de Jaccoud et al. (1999) simula os efeitos da infecção de mini-colônias de Atta sexdens rubropilosa pelo fungo entomopatogênico Metarhizium anisopliae(Ascomycota: Hypocreales) com a finalidade de usá-lo no controle biológico desta subespécie de formiga. As mini-colônias consistiam de porções de 75 mL de fungo simbionte, juntamente com eventuais operárias e formas imaturas do inseto ali presentes, mas sem a rainha. Todas as 19 mini-colônias procederam de uma única colônia-mãe coletada do campo seis anos antes do experimento. Este consistiu em avaliar os efeitos do entomopatógeno nas mini-colônias, inoculando-o sob a forma de esporos secos unicamente, ou de esporos secos misturados a pó de citrus, ambos nas quantidades de 0,5 g (considerado alta dose) e de 0,05 g (baixa dose) por mini-colônia.

De modo geral, as operárias foram capazes de sobreviver à baixa dosagem do patógeno, removendo os esporos da cutícula através de comportamentos de limpeza e, em seguida, depositando-os nas pilhas de lixo. Entretanto, a alta dosagem utilizada no experimento de Jaccoud et al. (1999) foi capaz de levar à morte 100% das mini-colônias até o final do experimento. Resultados similares já haviam sido observados por Diehl-Fleig e Lucchese (1991) em testes realizados com colônias naturais de Acromyrmex striatus diante do fungo Beauveria bassiana (Ascomycota: Hypocreales) cultivado em grãos de arroz e também de esporos secos formulados com farinha de casca de laranja. Para colônias deAcromyrmex heyeri e de Acromyrmex striatusmantidas em laboratório também foram descritos comportamentos de reconhecimento de fungos filamentosos, acompanhados por comportamentos de auto-higiene e limpeza mútua das operárias quando em contato com esporos secos de fungos entomopatogênicos (Fritsch; Diehl-Fleig, 1996).

A questão que surge ao se examinar os estudos acima referidos é: basta se aplicar altas doses de patógeno em amostras de colônias para se inferir sobre sua virulência? Amostras do jardim simbionte sem operárias ou mini-colônias sem rainhas consistem em amostras realmente representativas de uma situação natural? Esta questão será abordada em maiores detalhes mais adiante.

3. Fungos parasitas associados às formigas cortadeiras e seu simbionte

Uma gama de fungos filamentosos e leveduras tem sido encontrada associada ao jardim de fungo simbionte ou às próprias formigas-cortadeiras – operárias e rainhas fundadoras. Dentre estes fungos, a maioria é de solo (Mucor, Absidia, Cunninghamella, Chaetomium,Phoma, Chrysosporium, Acremonium, Gliomastix,Trichoderma, Volutella e Arthrobotrys) enquanto somente Beauveria e Metarhizium são formalmente caracterizados como entomopatógenos facultativos, ou seja, podem ou não utilizar insetos como hospedeiros em alguma fase da vida. Fungos entomopatogênicos são inimigos naturais de muitas espécies de insetos, agindo como importantes reguladores das suas populações (Hajek; St. Leger, 1994). De fato, fungos entomopatogênicos foram os primeiros agentes utilizados no controle microbiano de insetos (Alves, 1998).

3.1. Patógenos de formigas-cortadeiras –BeauveriaMetarhizium e Ophiocordyceps

Espécies dos gêneros de fungos ascomicetosMetarhizium e Beauveria são entomopatógenos generalistas capazes de infectar uma ampla variedade de insetos. Existem relatos desses gêneros infectando insetos sociais, mas para estes hospedeiros os dados são bastante limitados (Schmid-Hempel, 1998). TantoMetarhizium quanto Beauveria obrigatoriamente levam seus hospedeiros à morte ao se reproduzirem, e têm sido amplamente estudados por seu inerente potencial como agentes no controle biológico de insetos-praga. Em regiões temperadas, ambos os entomopatógenos estão associados aos hospedeiros principalmente terrestres, de forma que os insetos que constroem ninhos no solo estão mais susceptíveis à contaminação (Hölldobler; Wilson, 1990). Embora amplamente estudados para uso em controle biológico (Machado et al., 1988; Ssilva; Diehl-Fleig, 1988; Diehl-Fleig et al., 1993; Specht et al., 1994) relativamente pouco se conhece a respeito de sua diversidade, e os dados são escassos nas regiões tropicais, ironicamente onde a diversidade de muitos outros organismos vivos é sabidamente maior.

Apesar de raros, há relatos de ocorrência natural de fungos entomopatogênicos em formigas do gênero Atta. Assim, foi isolada uma linhagem de B. bassiana a partir de uma operária de Atta sexdens piriventrisnaturalmente infectada (Diehl-Fleig et al., 1992). Esse fungo e Metarhizium anisopliae var.anisopliae foram isolados de rainhas de saúva (Alves, 1998) e do jardim de fungo simbionte de ninhos de campo de Atta sexdens rubropilosa(Rodrigues et al., 2005b).

O ascomiceto Beauveria pertence à ordem Hypocreales e engloba espécies com ampla gama de hospedeiros além da morfoespécie B. bassiana sensu lato, capaz de infectar mais de 200 espécies de insetos, ácaros e carrapatos (Alves, 1998). Além disto, um estudo recente mostra que B. bassiana não possui especificidade quanto ao hospedeiro, mas atua como entomopatógeno generalista de insetos (Meyling et al., 2009). O fungo pode ocorrer como epibionte e endófito de plantas (Cherry et al., 1999) e seus conídios são capazes de sobreviver no solo de ambiente natural ou agrícola (Meyling et al., 2009). Os hospedeiros atacados mostram-se cobertos por uma massa pulverulenta branca (Figura 1), o que confere o nome muscardine branca à doença provocada por B. bassiana s.l., em contraste com o muscardine verde, provocado por M. anisopliae.

O ascomiceto Metarhizium pertence à família Clavicipitaceae Clado A dos Hypocreales (Sung et al., 2007) que caracteristicamente infecta uma grande diversidade de espécies de insetos, porém, é considerado entomopatógeno facultativo, uma vez que é facilmente isolado dos solos, onde é capaz de sobreviver por longos períodos (St. Leger, 2008). Contudo, M. anisopliae é considerado um dos mais importantes parasitas de insetos, possivelmente ocorrendo naturalmente em mais de 300 espécies de hospedeiros de diferentes ordens, principalmente Coleoptera (Domsch; Gams, 1980). Amostras de solo nas proximidades de ninhos de Acromyrmex echinatiorAcromyrmex octospinosusAtta cephalotes e Atta colombica, revelaram abundância (18 dos 20 ninhos amostrados) deM. anisopliae var. anisopliae, particularmente nos 5cm de terra ao redor de cada ninho (Hughes et al., 2004). Apesar desta alta prevalência do patógeno ao redor dos ninhos, poucas operárias estavam de fato infectadas (apenas três operárias de A. colombica, as quais inclusive já estavam no depósito de lixo da colônia). Isto indica que as estratégias de defesa individuais e de grupo empregadas mostram-se eficientes contra esse entomopatógeno. Metarhizium anisopliae pode ser reconhecido pelos conídios cilíndricos, uninucleados, hialinos ou fracamente coloridos, e por suas colônias em tons de verde, que variam do claro ao escuro ou esbranquiçadas com pontos verdes, formando uma camada pulverulenta cobrindo o inseto morto (Figura 16.2).

O solo é um ambiente muito rico em microrganismos, os quais exercem influências cruciais à sua diversidade biológica (Ingham et al., 2000). Assim, considerando que as fêmeas fundadoras de formigas-cortadeiras podem facilmente se contaminar com patógenos durante a fundação de novas colônias no solo, seria possível a existência de isolados de fungos especializados em infectar particularmente esta casta temporária. Isso coincide com a fase mais vulnerável do ciclo de vida de uma colônia. Espécies monogínicas de formigas geralmente são capazes de fundar uma colônia sem a ajuda de outras companheiras de ninho, exibindo o que se conhece por modo independente de fundação de colônia. Durante este processo, a fêmea fundadora perde peso a cada dia, travando uma corrida entre se manter viva sem alimento e produzir operárias rapidamente e em número suficiente capazes de sustentar a colônia. Este investimento impõe grande pressão sobre a sobrevivência dessas fêmeas, tornando muito vulnerável esta fase do seu ciclo de vida (Hölldobler; Wilson, 1990, Baer et al., 2006). De fato, Augustin (2007) verificou que das 107 fundadoras de Atta sexdens em início de processo de fundação colonial em laboratório, 12 (11,21%) morreram durante este período, exibindo sobre sua cutícula uma massa pulverulenta de conídios esbranquiçados, típica de infecção por Beauveria.

Um evento recentemente relatado e aparentemente raro entre as formigas-cortadeiras é a infecção seguida de morte provocada pelo fungo entomopatogênicoOphiocordyceps (Ascomycota: Hypocreales), que é a fase sexual de Hirsutella (HUGHES et al., 2009). Uma fêmea fundadora deAcromyrmex octospinosus e outra de Atta colombica em processo de fundação colonial foram coletadas vivas no campo, e após sete dias desde suas mortes em laboratório, ambas exibiam o estroma do fungo em sua forma anamórfica (fase assexual), ou seja, Hirsutella. Os autores também realizaram um experimento que comprovou a habilidade deOphiocordyceps de alternar entre hospedeiros de diferentes subfamílias e gêneros (no caso, entre os gêneros AttaAcromyrmex,Sericomyrmex e Apterostigma (Myrmicinae, Attini) e o gênero Camponotus (Formicinae). Esta alternância entre hospedeiros, e a relativa baixa especificidade por eles, indica se tratar de uma relação parasita-hospedeiro recente na evolução.


3.2. Possíveis Patógenos das Formigas –AspergillusClonostachys e Fusarium

Espécies dos gêneros Aspergillus e Fusariumsão comumente encontradas em solos tropicais ou subtropicais, onde atuam principalmente como decompositores (Domsch; Gams, 1980). No entanto, algumas espécies, como A. flavus e F. oxysporum, têm sido também isoladas de operárias vivas (Hughes; Boomsma, 2004) ou moribundas (Rodrigues et al., 2005a), do depósito de lixo (Hughes et al., 2004) e mesmo do jardim de fungo de formigas-cortadeiras (Rodrigues et al., 2005b). O ascomicota do gêneroClonostachys também atua como saprófita de solo, tendo sido isolado (em baixa frequência) do jardim simbionte de colônias de laboratório de Atta sexdens rubropilosa (Rodrigues et al., 2005a).

Para os gêneros de fungos citados acima, sempre existe a dúvida se são de fato entomopatógenos ou se sua presença no inseto representa saprofitismo. Quando encontrados no jardim de fungo ou no lixo, existe também a possibilidade de estarem colonizando esse material como oportunistas, ou de serem fitopatógenos ou endofíticos trazidos para a colônia pelas formigas. Nesses casos, tais fungos podem ser considerados agentes secundários e não agentes causadores da morte do inseto.

3.3. Parasitas Especializados do Jardim do Fungo – Escovopsis

Atualmente, existe grande interesse em pesquisas envolvendo espécies do fungo parasita Escovopsis. Uma das principais razões em se conhecer melhor esta simbiose é queEscovopsis é somente encontrado parasitando o fungo simbionte das Attini (Seifert et al., 1995; Schultz; Brady, 2008). Tem sido demonstrado que certas linhagens deste parasita associam-se exclusivamente com linhagens específicas de fungo simbionte do “sistema agricultural” Leucocoprineae e Pterulaceae (Schultz; Brady, 2008) das Attini basais do grupo das Apterostigma (Gerardo et al., 2006) e das espécies Cyphomyrmex longiscapusCyphomyrmex muelleri eCyphomyrmex costatus (Gerardo et al., 2004), conforme revelam dados experimentais e de análises filogenéticas. Esta especificidade é interpretada como tendo as linhagens deEscovopsis uma história coevolutiva comum com seus fungos hospedeiros, pontuada por trocas apenas ocasionais de hospedeiros. Os estudos filogenéticos, contudo, não mostraram uma congruência completa entre as filogenias do parasita e do hospedeiro, indicando que a gama de hospedeiros passíveis de infecção por Escovopsis foi e provavelmente poderia continuar mudando (Gerardo et al., 2006). Outro motivo pelo qual essa interação merece ser melhor estudada é sua possível aplicabilidade no controle das formigas- cortadeiras utilizando Escovopsis.

Contrariamente ao que foi demonstrado para as Attini basais, análises moleculares recentes e evidências experimentais revelaram pouca especificidade parasita-hospedeiro dentro do clado mais derivado das Attini constituídos pelos gêneros Atta e Acromyrmex (Taerum et al., 2007). Neste estudo, as análises filogenéticas indicaram que a história evolutiva entre Escovopsis e o fungo simbionte das cortadeiras não acompanhou a história evolutiva das próprias formigas. Além disso, ficou demonstrado que oito linhagens filogeneticamente distantes de Escovopsis, divididas em dois clados distintos, foram capazes de infectar todas as sete linhagens de fungos hospedeiros utilizadas no experimento, indicando que elas não são especializadas em linhagens específicas do fungo simbionte das cortadeiras. Entretanto, a metodologia de inocular pequenos pedaços de jardim comEscovopsis significa que é difícil avaliar diferenças sutis visualmente. Os resultados de Taerum et al. (2007) concordam com os resultados de Gerardo et al. (2004) que mostraram a falta de congruência filogenética entre a Attini basal Cyphomyrmex e Escovopsis. Portanto, os isolados deste parasita não seriam especializados em linhagens específicas de jardins de fungos e a especificidade de Escovopsis não seria mediante as possíveis defesas dos cultivares dos fungos na ausência das formigas.

Tornou-se um dogma que Escovopsis é altamente virulento às colônias Attini, com base nos resultados de Currie et al. (1999). Os autores relataram que Escovopsis pode dominar os jardins mesmo na presença de formigas, em colônias observadas em campo e laboratório. Uma vez retiradas todas as formigas de uma colônia, Escovopsisrapidamente (um a dois dias) cresceu, matando o fungo mutualístico de três espécies de Attini derivadas: Trachymyrmex cf. zeteki,Acromyrmex octospinosus e Atta colombica. Ainda mais, a remoção das formigas não resultou em crescimento de outros contaminantes, aparecendo somenteEscovopsis nos jardins simbiontes. Em um experimento em que colônias de Atta colombicaforam contaminadas artificialmente com esporos de Escovopsis, ficou demonstrada a completa destruição de 37% das colônias em 72 horas. Quando o fungo micoparasíticoTrichoderma (Ascomycota: Hypocreales) foi inoculado, nenhum sintoma de perda ou estresse foi observado no jardim. Finalmente, Currie et al. (1999) conseguiram reisolarEscovopsis das colônias infectadas mas não foi possível reisolar Trichoderma.

Se uma colônia de formigas fungicultoras for considerada como um superorganismo, com vários níveis de interação e organização social (Hölldobler; Wilson, 1990), os testes de virulência corresponderiam melhor à realidade se abrangessem o organismo como um todo, e não somente partes dele. Amostrar porções do fungo simbionte ou mesmo mini-colônias seria o mesmo que amostrar apenas parte do organismo, limitando a compreensão dos mecanismos empregados pelo parasita para aumentar seu valor adaptativo. Contudo, estudos deste tipo são difíceis de realizar.

Quais são os mecanismos de interação deEscovopsis com seus hospedeiros? Foi verificado que Escovopsis weberi atua como parasita necrotrófico de contato, ou seja, primeiramente mata seu hospedeiro para posteriormente digerir a biomassa recém-morta, não sendo necessária a penetração das hifas para o parasitismo ocorrer (Reynolds; Currie, 2004). Este mecanismo diverge do mecanismo biotrófico empregado pelos micoparasitas, os quais se alimentam do hospedeiro ainda vivo (Jeffries; Young, 1994 apud Rynolds; Currie, 2004).

Um estudo realizado por Currie et al. (1999) buscou Escovopsis em 105 jovens colônias naturais e de laboratório de A. colombica iniciadas a partir de fêmeas fundadoras provenientes de um único voo nupcial em Gamboa, Panamá. Os autores analisaram essas colônias antes e depois das primeiras operárias saírem do ninho para forragear. Como os inóculos do fungo simbionte trazidos da colônia de origem pelas fêmeas - bem como seus jardins iniciados durante a fundação claustral - estavam livres de Escovopsis, concluíram que este parasita não é transmitido verticalmente entre colônias. Contudo, o fato de não ter sido encontrado Escovopsis em colônias iniciadas por fêmeas de um único voo nupcial não implica ausência de transmissão vertical deste parasita. Para se chegar a uma resposta mais conclusiva, o ideal provavelmente seria investigar diversas novas fundações, considerando colônias com vários padrões de horários de revoada, talvez até em áreas geográficas distintas.

3.4. Micoparasitas Não-Especializados Encontrados no Jardim do Fungo - Trichoderma

Espécies de Trichoderma são comumente encontradas em diversos tipos de solo, especialmente naqueles ricos em matéria orgânica, onde outras espécies de fungo também estão presentes (Domsch; Gams, 1980; Samuels, 1996). Há algumas décadas, isolados de Trichoderma começaram a ser um dos agentes naturais mais utilizados no controle de fitopatógenos (Bélager et al., 1995; Zhang et al., 1996), devido as suas propriedades antagonísticas, que envolvem principalmente a produção de antibióticos (Ghisalberti; Sivasithamparam, 1991) e/ou enzimas proteolíticas (Haran et al., 1996). Mais recentemente, alguns isolados de Trichodermatambém começaram a ser vistos como possíveis candidatos ao controle das formigas-cortadeiras, devido às suas propriedades antagonísticas em relação ao fungo simbionte por elas cultivado (Ortiz; Orduz, 2000; Lopez; Orduz, 2003). Entretanto, Currie et al. (1999) não acharam Trichoderma patogênico aos jardins. Além disto, algumas espécies deste gênero têm sido encontradas tanto no jardim simbionte (Rodrigues et al., 2005b, 2008a) quanto no depósito de lixo (Rodrigues et al., 2005b) de colônias naturais e de laboratório deAtta e Acromyrmex, bem como no exoesqueleto de fêmeas fundadoras de Atta capiguara e Atta laevigata (Pagnocca et al., 2008). Estas observações indicam se tratar de um parasita generalista, sem preferência pelo fungo simbionte das formigas como hospedeiro. Mas esses resultados não descartam a existência de isolados específicos em atacar o simbionte.

Acredita-se que o mecanismo de interação entre Trichoderma e o fungo hospedeiro seja através da produção de substâncias antifúngicas, ou mesmo tóxicas, como enzimas, metabólitos, antibióticos, substâncias voláteis e não-voláteis, as quais impediriam o crescimento micelial do simbionte das Attini sem a necessidade de contato do parasita com seu hospedeiro (Ortiz; Orduz, 2000).

3.5. Outros Fungos

Grande parte da diversidade de fungos encontrada de alguma forma em associação com as formigas- cortadeiras é composta por fungos de solo que atuam principalmente como saprófitas ou mutualistas (Domsch; Gams, 1980; Ingham et al., 2000). Dados que comprovem sua ação antagônica frente ao fungo simbionte das Attini ainda não existem. Assim, é possível especular que a grande frequência com que eles vêm sendo isolados de colônias de formigas cortadeiras possivelmente indique que: 1) sejam simbiontes destas formigas, agindo como parasitas ou mutualistas ainda desconhecidos; 2) sejam simplesmente comensais ou inquilinos da colônia, sem causar-lhe prejuízos ou benefícios, e/ou 3) que a colônia se contamine acidentalmente a partir do contato direto com o solo e o material vegetal que as operárias trazem para dentro do ninho.

3.6. Leveduras pretas (“Black yeasts”)

Recentemente foi descoberto mais um simbionte envolvido na interação entre as formigas, seus fungos mutualísticos, as bactérias Pseudonocardia e o fungo parasitaEscovopsis. O novo simbionte é uma levedura preta (Ascomycota; Phialophora) encontrada crescendo nos mesmos locais onde está a bactéria Pseudonocardia (Little; Currie, 2007). Foi demonstrado que a levedura ataca a bactéria, reduzindo os nutrientes disponíveis e diminuindo, portanto, a sua capacidade de proteger a colônia contra o ataque deEscovopsis (LIttle; Currie, 2008). É provavel que existam ainda mais microrganismos simbiontes a serem descobertos nas colônias das cortadeiras.

4. Considerações Finais

Considerando as estratégias de defesa das formigas-cortadeiras, poder-se-ia questionar se o próprio fungo simbionte é ou não capaz de se defender de alguma forma. De fato, conforme mencionado anteriormente, estudos têm demonstrado que o jardim das cortadeiras está longe de ser constituído apenas pelo fungo simbionte, mas o interessante é que algumas evidências sugerem que ele seja incapaz de reconhecer outros fungos “intrusos” ao mutualismo fungo-formiga. Isto indica que o simbionte é um fraco competidor frente a outras espécies de fungo, e, na ausência das formigas, sucumbe rapidamente (Stradling; Powell, 1986; Fisher et al., 1996; Oortiz; Orduz, 2000). Aparentemente, portanto, o simbionte das formigas cortadeiras especializou-se em crescer e produzir o alimento destes insetos.

O fato de haver poucos relatos de patógenos atacando colônias de cortadeiras indica que elas possuem defesas bem desenvolvidas, as quais ainda não são completamente conhecidas e merecem ser elucidadas. Neste capítulo descreveu-se em detalhe uma gama de mecanismos e os possíveis simbiontes envolvidos na defesa contra entomopatógenos e contra os patógenos específicos do jardim de fungo. De certa forma, poder-se-ia esperar que as formigas fossem altamente susceptíveis ao ataque de patógenos, tendo em vista o alto nível de similaridade genética entre as operárias irmãs da colônia, a frequência das interações sociais (trofalaxia, allogrooming) e as condições ambientais - alta umidade e temperatura estável - do ninho (normalmente favoráveis aos fungos entomopatogênicos). Um melhor entendimento dos sistemas de defesa
empregados pelas formigas cortadeiras poderia levar ao desenvolvimento de uma estratégia de controle destes insetos-praga. Além disto, estudos de como essas formigas protegem seus cultivos contra microrganismos indesejáveis poderiam auxiliar o homem no planejamento de proteção de lavouras ou mesmo no desenvolvimento de novos antibióticos com base nos estudos dos simbiontes das Attini.